Obesidade e Estigma: Quando a Culpa Adoece Mais que a Doença

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Dr Leonardo Emílio

Por Dr. Leonardo Emílio da Silva

Vivemos em uma era de avanços científicos notáveis, mas seguimos presos a velhos preconceitos quando o assunto é obesidade. A despeito do crescente corpo de evidências que a reconhece como uma doença crônica, multifatorial e progressiva, a obesidade ainda é tratada socialmente como um reflexo de falha de caráter. O estigma persiste — e ele não apenas fere, ele adoece.
A narrativa dominante ainda responsabiliza o paciente: “falta de força de vontade”, “preguiça”, “descontrole”. Esse discurso ultrapassado ignora décadas de estudos que apontam causas genéticas, metabólicas, hormonais, comportamentais, emocionais e ambientais como determinantes no desenvolvimento e na manutenção da obesidade.
A consequência mais cruel dessa distorção é o sentimento de culpa profunda que o paciente carrega. Culpado por ter adoecido, culpado por não conseguir “melhorar sozinho”, culpado por buscar ajuda. O estigma imposto pela sociedade, e muitas vezes reproduzido por profissionais de saúde mal informados, torna-se um fardo adicional — silencioso, mas devastador.
Estudos já demonstraram que o estigma associado à obesidade prejudica o engajamento no tratamento, compromete a adesão terapêutica, e impacta negativamente a saúde mental dos pacientes. Sentimentos de vergonha, isolamento e desesperança se sobrepõem à busca por cuidado, retardando intervenções eficazes e aumentando os riscos clínicos, incluindo o agravamento de comorbidades como diabetes, hipertensão, apneia do sono e doenças cardiovasculares.
Obesidade não é um “fracasso pessoal”. É uma condição médica complexa que exige uma abordagem multidisciplinar, ética e baseada em ciência. A culpa não tem função terapêutica — pelo contrário, ela é um obstáculo à cura. O que o paciente precisa não é de julgamento, mas de acolhimento, orientação segura e acesso a tratamento digno.
Enquanto insistirmos em moralizar uma condição médica, estaremos falhando — como médicos, como sistema de saúde, como sociedade. Precisamos romper com essa cultura punitiva e promover uma medicina que compreenda, respeite e apoie.
A obesidade é uma doença, não uma sentença moral.
Cabe a nós, profissionais da saúde, liderarmos essa mudança. Porque cuidar, acima de tudo, é acolher sem julgar.
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